Impressionismo e Fotografia
O século XIX foi repleto de invenções que moldaram os dias de hoje – a locomotiva a vapor, a bateria, a latinha, a lâmpada. E talvez a mais culturalmente influente delas tenha sido a fotografia, que mudou a forma de enxergarmos e registrarmos o mundo.
O Daguerreótipo, de 1839, foi a máquina responsável por facilitar o processo fotográfico e as câmeras Kodak, criadas em 1888, as que popularizaram a atividade de fotografar. A reprodução da realidade tornara-se mecânica e essa novidade abalou os pilares que definiam a função da arte desde os tempos mais remotos. Ora, qual seria a necessidade de encomendar a pintura de um retrato, prática tão comum desde a Renascença, se agora as câmeras faziam um trabalho mais fiel e mais barato? Era necessário reinventar a pintura, acrescentando a ela algo ímpar, que estivesse para além das lentes de uma câmera.
Apesar da quase óbvia concorrência que esses dois métodos aparentam ter, muitos pintores e fotógrafos buscaram inspiração e auxílio técnico uns nos outros. É o caso de Degas e Muybridge. O primeiro, um dos maiores expoentes do impressionismo; o segundo, o inventor da Cronofotografia, técnica que permitiu captar uma ação em uma sequência de fotos, concebendo uma visão inteiramente nova do movimento no tempo e no espaço. Os dois eram amigos e trocavam ideias com frequência. Degas tendo sido, talvez, o pintor impressionista mais influenciado pela nova tecnologia, procurando harmonizá-la com sua pintura, e usando-a inclusive para fotografar modelos que depois pintaria.
A influência que a fotografia teve, não só sobre Degas, mas sobre todos os impressionistas, é inegável. Não é preciso ir longe para perceber a semelhança que os princípios desse movimento têm com os da fotografia – basta olharmos para o seu nome: fotografia deriva das palavras gregas photós (luz) e graphía (escrita), significando “desenhar com luz”, exatamente o que artistas como Monet propunham com essa nova corrente artística, ao insistir na multiplicidade de efeitos que as diferentes incidências luminosas podem causar. As descobertas óticas proporcionadas pelas pesquisas fotográficas, como a decomposição das cores e a formação da imagem na retina, refletem-se na técnica desses pintores, em que as tintas não eram misturadas nos quadros, mas sim usadas em pinceladas de cor pura muito próximas umas às outras, deixando que elas se misturassem nos olhos do observador.
A diferença entre a imagem vista pelo visor da câmera e a que de fato era registrada levou à produção de figuras “desenquadradas”, fazendo com que, muitas vezes, o assunto principal da imagem estivesse no canto dela. Os impressionistas também se valeram disso, aproveitando a sensação de espontaneidade e de “flagra” que esse enquadramento trazia, sugerindo um espaço para além do quadro. É fácil observar essa influência nas obras de Degas, que parecem uma pintura instantânea, a captação de um momento único:
Era comum o aparecimento de borrões nas fotos, já que era necessário um longo tempo de exposição para que a imagem se fixasse na placa. Para os impressionistas, os borrões eram perfeitos para transmitir a ideia de movimento que tanto apreciavam. A falta de sensibilidade dos primeiros filmes fotográficos resultava em imagens bastante contrastadas, com claros e escuros exagerados, afastando-se do efeito considerado ideal do chiaroscuro. Manet estudou fotografia e é possível observar a influência dela sobre o pintor em obras como Olympia, na qual ele se utiliza de fortes contrastes para representar uma figura mais simplificada e quase plana.
Em contrapartida, notamos também elementos que nitidamente diferem as pinturas impressionistas das fotografias. Os pintores introduziam sua perspectiva à cena retratada, e tinham especial atenção às cores, enquanto as máquinas fotográficas, à época, só conseguiam registrar imagens em preto e branco.
É importante notar que muitos pensadores chegaram a condenar a fotografia, duvidando de seu valor artístico e acusando-a de corromper a arte, como é o caso de Baudelaire:
“Em matéria de pintura e de escultura, o Credo atual do povo é este: ‘Creio que a arte é e não pode ser outra coisa além da reprodução exata da natureza. Assim, o mecanismo que nos oferecer um resultado idêntico à natureza será a arte absoluta’. Um Deus vingador acolheu as súplicas dessa multidão. Daguerre foi seu Messias. E então ela diz a si mesma: ‘Visto que a fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles creem nisso, os insensatos), a arte é fotografia’. A partir desse momento, a sociedade imunda se lança, como um único Narciso, à contemplação de sua imagem trivial sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário se apodera de todos esses adoradores do sol”
Tais opiniões levaram ao surgimento de um movimento chamado Secessão, que tentava provar o valor da fotografia como forma legítima de arte, e não meramente de registro mecânico da realidade. Para isso, muitos fotógrafos chegaram a acrescentar materiais especiais ao seu papel na tentativa de aproximar as fotos de pinturas.
No entanto, a maior contribuição da fotografia para a arte encontra-se não na convergência entre os dois meios, mas sim no estímulo a uma divergência – a fotografia pode ser enxergada quase como uma “bênção” à pintura, como disse Picasso:
“Quando você vê tudo o que é possível exprimir através da fotografia, descobre tudo o que não pode ficar por mais tempo no horizonte da representação pictural. Por que o artista continuaria a tratar de sujeitos que podem ser obtidos com tanta precisão pela objetiva de um aparelho de fotografia? Seria absurdo, não é? A fotografia chegou no momento certo para libertar a pintura de qualquer anedota, de qualquer literatura e até do sujeito”
Assim, os pintores, começando pelos impressionistas, mas, com muito mais força, nos que se seguiram a eles, adquiriram uma liberdade nunca antes vista na criação de sua arte. Não era mais preciso, ou desejado, ater-se ao real. Muito pelo contrário, as artes plásticas agora deveriam acrescentar algo ao mundo objetivo, e não simplesmente se contentarem com uma cópia desprovida de interpretação do mesmo – surgiu a ideia de que a visão depende de como vemos e de quando vemos. A arte tornou-se pessoal; tornou-se livre.
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Impressionism and The Impressionist. Disponível em: http://www.artyfactory.com/art_appreciation/art_movements/impressionism.htm. Acesso em: 25 de set. 2013
Impressionism 1860-1870. Disponível em: http://www.bohemianfineart.com/index.php?pgid=49. Acesso em: 25 de set. 2013
MCNATT, G. Photography and painting influence each other. The Sun, Baltimore, 15 de fev. 1998. Disponível em: http://articles.baltimoresun.com/1998-02-15/features/1998046086_1_painting-and-photography-camera-obscura-western-painting.
RAMOS, M. Fotografia e arte: demarcando fronteiras. 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – UNISO, Sorocaba, São Paulo.
JANSON, H. W. e JANSON, A. F. Iniciação à História da Arte. 1996
BECKETT, W. História da Pintura. 1997
interessantíssimo!
ResponderExcluirIncrível. Me ajudou muito com minha prova de arte e cultura. Muito obrigada pelo conteúdo :)
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