Reflexão: Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1931)


            O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi escrito em 1931, mas os problemas e soluções apresentados em seu texto continuam extremamente atuais. A intersecção entre os temas tratados nele e os discutidos em nossas aulas de POEB são inúmeras.

            O Manifesto inicia por dizer que, de todos os problemas nacionais, a educação é o mais importante e o mais grave – ela é a base das gerações futuras de um povo que, por sua vez, graças a ela terão condições de resolver os demais problemas do país. No entanto, a organização escolar do Brasil em 1932 (e, não muito diferentemente, hoje) era incapaz de lidar com as “necessidades modernas e necessidades do país”, principalmente porque o sistema educacional encontrava-se fragmentado e desarticulado. Todas as propostas de reforma do ensino até a publicação do Manifesto eram parciais, isoladas, sem uma visão global do problema – e, de acordo com os educadores, esse era a principal razão pela qual as escolas brasileiras estavam tão estagnadas e defasadas: a inorganização.  O Manifesto vem no sentido de deslocar o problema educacional do simples âmbito administrativo, e colocá-lo no plano político-social do país. Ele prossegue dizendo que é imprescindível a determinação dos fins da educação e os meios para atingi-los, para que os planos e reformas orientem-se todos pelos mesmos princípios, de forma unitária e contínua. Ora, o que seria essa ideia senão a expressada pelo Plano Nacional de Educação, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, em maior medida, pelo Sistema Nacional de Educação?

            A respeito disso, o Manifesto diz que “era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento, já agora nacional [...] e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades; [...] cabia o dever de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento”. Esse desejo impulsionaria a formulação das Leis de Diretrizes e Bases e do Plano Nacional de Educação, este em vigor desde 2014 e com duração de 10 anos.

            O Manifesto enfatiza também o tema de nossa aula sobre Gestão Escolar: quem deve ser o responsável pela administração das escolas e pela formulação dos planos e diretrizes relativos à educação? Para eles, um sistema educacional coeso só pode ser atingido sob a responsabilidade de professores atuando no âmbito administrativo, pois só ele é capaz de “ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação”. Tal fim da educação seria a formação de sujeitos históricos, como discutido em aula, e qualquer que seja o método utilizado para se chegar a esse fim, ele precisa ser, necessariamente, democrático. Como encerra o Manifesto: "o ideal de democracia que [...] parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social". Se o ideal democrático compõe esse sujeito histórico, então a instituição exclusivamente dedicada a construção dele, a escola, precisa ser o epitome desse conceito, como prevê a Constituição Federal e o PNE.

            Para isso, porém, é necessário que o administrador e os funcionários tenham ampla autonomia técnica e econômica, de forma a assegurar os meios materiais necessários para a realização de seu projeto educacional democrático. O Manifesto advoga pela instituição de um "fundo especial ou escolar" que seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino - fundo este que se aproxima do antigo FUNDEF e atual FUNDEB.

            O Manifesto também ressona os conceitos de qualidade da educação apresentados em uma de nossas aulas. "A educação [...] se organiza pela coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado, [...] independente de razões de ordem econômica e social" - a escola deve ser laica, gratuita e obrigatória. A educação é entendida como uma função essencialmente pública, um direito assegurado pelo Estado a todos os seus cidadãos, como é hoje pela Constituição Federal. A necessidade de um Plano Geral de Educação para impulsionar a universalização do ensino é extremamente enfatizada, assim como a não diferenciação de seus alunos por aspectos sociais e econômicos. Embora legalmente esses direitos sejam assegurados à população brasileira, vimos em nossas aulas que a realidade educacional da camada socialmente marginalizada e das crianças mais economicamente vulneráveis é bem diferente da realidade das elites, mesmo dentro da mesma escola pública. A questão da evasão também é notada no Manifesto, que a correlaciona com contingências econômicas e com a ignorância dos responsáveis (mas não fala sobre a ignorância dos próprios agentes educacionais que, através das reprovações, são tão parte desse processo quanto os demais agentes).

            Apesar de enfatizar a necessidade de políticas educacionais em nível nacional, o Manifesto alerta para a diferenciação entre unidade e uniformidade, advogando pela primeira, que pressupões multiplicidade. Ou seja, como visto em nossas aulas sobre o Federalismo brasileiro e sobre o embate entre centralização e descentralização, o Manifesto procura uma política de colaboração entre os entes federados, nunca negando a importância das particularidades regionais (inclusive, defendendo a criação de escolas rurais). Apresenta-se a necessidade de estruturação de princípios educacionais nacionais, com a oferta de escolas em todos os graus sendo responsabilidade dos estados, e o governo central atuando como vigília da obediência de tais princípios pelas escolas. Embora a divisão dos sistemas educacionais atuais no país não seja exatamente a planejada pelo Manifesto, é possível observar um movimento em direção aos seus ideais, com a implementação progressiva do Sistema Nacional de Educação, enquanto ainda delegando responsabilidades educacionais aos agentes locais.

 

   UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO      FACULDADE DE EDUCAÇÃO

POLÍTICA E ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Analise da Obra de Chardin

Tradução e Resumo: Clay and Glazes for the Potter (Parte 1)

A Fonte