Reflexão: Paragone e Autonomia das Artes

O paragone das artes é uma discussão antiga, que recebeu muita atenção no período do Renascimento. Para o pintor Giorgio Vasari, em 1550, a resolução desta disputa não estava na pintura, ou na escultura, mas sim no disegno. Traduzindo a palavra para o português como desenho, fica difícil compreender o que Vasari quis dizer – a primeira vista, parece-nos que ele simplesmente elegeu o risco de carvão sobre papel como a melhor das artes. Mas essa definição é demasiado pobre para o significado que o termo tem em Vasari. As primeiras palavras de seu texto O Primado do Desenho já demonstram isso: o disegno seria “oriundo do intelecto”, ou seja, seria um conceito. Mas não somente isso; ele seria “o pai de todas as artes” justamente por ser a primeira instância na qual esse conceito é materializado – o que chamaríamos hoje de esboço. Partindo dele, o artista poderia escolher qualquer meio para finalizar sua obra: um desenho a carvão poderá dar origem a um quadro a óleo; uma modelagem em argila, a uma escultura em mármore. Vasari explicita que os materiais usados pelo artista não são elemento definidor do disegno. Tanto o carvão quanto a argila no exemplo anterior cumprem os requisitos de desenho: a junção da teoria e da prática, a primeira “expressão manual” de uma ideia. Essa ideia, por sua vez, seria originada através de um esforço de racionalização do mundo natural, abstraindo em linhas as formas sensíveis.

Essa definição que Vasari traz para o desenho é especialmente importante por conferir a ele (e, como “pai de todas as artes”, conferir também a todos os seus “filhos”) um aspecto inteligível, abstrato, que acaba por equiparar o trabalho de arte ao trabalho dos demais intelectuais, pensadores. Afinal, a realização de um esboço parte, primeiro e sempre, de uma ideia, de uma abstração da natureza. A arte, portanto, não pode ser apenas um trabalho manual. Ela é justamente o processo de tradução do mundo das ideias para o mundo das coisas, no sentido platônico, mas sem o desmerecimento que este dá ao segundo dos “mundos”. Essa valorização da produção artística através do artificio retórico que Vasari propõe foi essencial para a validação da arte como uma esfera autônoma do conhecimento humano. Primeiro porque, ao fazer isso, Vasari está pensando a arte em si, em seus próprios termos e finalidades. E segundo, porque, em meados de 1500, o aspecto intelectual, racional da vida era mais valorizado do que o aspecto “terreno”, sensível. O artista, então, por ser não somente (e não necessariamente) quem executa, mas sim quem concebe o objeto de arte, através de uma ordenação racional da natureza, seria um dos mais valorizados intelectuais.

As ideias de Vasari também levaram ao surgimento das Academias de Arte, pautadas sobre o ensino do desenho, que seriam a etapa final da institucionalização do trabalho de arte como uma esfera autônoma da atividade humana.


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