O Surgimento de um Público para a Arte

 

No século XVIII, o processo de “laicização da esfera da cultura” atinge um ponto culminante: o trabalho de arte que, pouco a pouco, emancipara-se da dependência exclusiva do patronato da Igreja e do Estado passa a ser confrontado com novas instâncias, como o público que frequenta os Salões de Arte e com a incipiente crítica especializada. Neste texto, discutiremos o novo tipo de inserção que o trabalho de arte passou a almejar na sociedade e as noções de público e de crítica de arte que então se forjavam.

 

Desde as primeiras institucionalizações da esfera da Arte, os artistas deviam servir aos interesses de uma elite – a Igreja, a Corte, ou ricos marchands. Mesmo quando suas obras vinham eventualmente à público, este não tinha qualquer poder sobre a produção, e o pintor nunca estava em contato direto com a massa.

Mas tudo isso muda com a criação da Academia Real de Pintura e Escultura da França, em 1648, e a consequente criação dos Salões de Arte, onde as obras realizadas pelos alunos da Academia podiam ser expostas. Esses eventos eram patrocinados pelo governo, e serviam como um braço importante do absolutismo: era o modo da corte exportar o “grand gôut”, a ditadura do bom-gosto, que se instalava no imaginário da burguesia cada vez mais. Serviam, também, para fomentar o patrocínio das artes, fabricando a reputação de pintores atuantes, para que a burguesia endinheirada tivesse interesse em comprar obras de artistas vivos, e não apenas dos grandes mestres do passado.

Sua popularidade mantém-se baixa até 1737, quando o aumento vertiginoso do público do Salão faz com que esse passe a ser um evento regular, realizado todos os anos no Palácio do Louvre.

Os Salões de Arte são tidos por muitos historiadores como a gênese do espaço público na França. Eram frequentados por todo tipo de gente – “aqui, um ‘trabalhador faz-tudo’ de Savóia roça ombros com o grande nobre da cordon bleu” escrevia Pisansant de Mairobert em artigo de jornal de 1777. O Louvre, apinhado de obras de arte em todas as suas paredes, era o espaço de maior liberdade que poderia existir dentro do Antigo Regime. Mas isso não significava que fosse um encontro agradável... o choque entre os costumes dos ricos e dos pobres foi tema de diversas charges satíricas em periódicos da época.

Os veículos oficiais começaram a clamar “falar em nome do grande público” ou “pelo interesse do grande público”, o que assume a existência de um público e que, tautologicamente, faz com que o público se reconheça como tal, legitimando seu papel e opinião na esfera artística.

Não demorou para que a conversa heterogênea que se desenvolvia dentro dos Salões passasse a ser legitimada em publicações escritas. Era o começo da crítica de arte especializada, dos connoisseurs, que serviam como intermediadores entre a arte exposta e o grande público amateur (leigo) que vinha vê-las. A crítica profissional tinha sua importância e influência, é claro, mas talvez o juízo que mais prevalecesse fosse o popular: o “selo” de aprovação do público podia lançar um artista a mais alta categoria, e ambos o governo e os colecionadores estavam interessados em patrocinar artistas que agradecem às massas. O que se provou extremamente difícil, uma vez que a maioria das críticas eram negativas e o gosto do público variava a todo o tempo.

Os pintores, que no século anterior haviam sido empregados quase que exclusivamente pela e para a Corte, tornaram-se agora verdadeiros profissionais liberais inseridos no capitalismo crescente e que precisavam, acima de tudo, agradar sua clientela se quisessem vender suas obras.

  

                        REFERÊNCIAS

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. 

BECKETT, W. História da Pintura. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

JANSON, H. W; JANSON, A. F. Iniciação à História da Arte. São Paulo: Ática, 1996.

ARGAN G. C. A Arte Moderna na Europa. São Paulo: Cia das Letras, 2010.

CROW, T. E. Painters and Public Life in Eighteenth-century Paris. Yale University Press, 1985. 

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